Aqui não faz frio.
Chove, apenas.
Sobraram três pés de árvore na minha rua.
Posso escrever vendo-os da janela.
Num dia de chuva como o de hoje
é um prazer para o olhar.
Talvez seja a memória das chuvas
infantis. Talvez sejam as águas
doces que conheci.
Lagoa dos Barros, do Peixoto,
Três Cachoeiras, Maquiné...
Aqui não faz frio.
Chove, apenas.
sábado, 27 de julho de 2013
sexta-feira, 19 de julho de 2013
A Calçada e o Canto do Povo de Um Lugar
Num dia desses fui ao centro da cidade.
Quer dizer à Calçada.
Um ponto de Salvador próximo ao Porto.
Região que foi próspera nos anos 1990.
Grandes edifícios de empresas públicas,
montepios, bancos, instituições ligadas a justiça,
saúde, fazenda e importante centro comercial com prédios de
escritórios e o Museu do Cacau.
Há também o Trapiche Barnabé, o Mercado do Ouro, o Plano Inclinado
e outros equipamentos de época em que a prosperidade
andava por lá.
Vou pouco ao bairro.
É bem verdade que em meus passeios
antropológicos passo por lá,
ao menos, uma vez ao mês.
Faço uso do Doron, ônibus que passa
no Rio Vermelho e vai até o Cabula.
No entremeio passa pela Calçada.
Acho curioso chamar o bairro por este nome.
Preciso pesquisar o porquê disto.
Eu costumo me referir ao bairro como
cidade baixa, já que ele fica abaixo do Pelourinho
e do Santo Antônio Além do Carmo.
Mas o que isto importa?
Não sei se o que se passa lá interessa,
mas a sensação de andar por ali é de trânsito.
Tudo está em trânsito, espera e deriva.
Tudo ao mesmo tempo.
Filas diante do Ministério do Trabalho.
Sim, eu passei lá, antes das 9h da manhã.
Filas diante de um prédio que tem uma agência bancária no térreo,
com a porta aberta para a calçada. Deve ser por isto o nome.
Os estabelecimentos são abertos para a calçada.
Moradores de rua nos vãos das portadas
dos grandes edifícios, naqueles em que não há grades.
Pessoas desfazem as camas, reúnem seus pertences:
colchão, lençóis e outros panos.
Alguns, ainda, dormem.
Na festa do Bom Fim o bairro é vivo.
Ele é o ponto em que a festa começa.
Lancherias, padarias, quiosques...
Tudo se abre para os passantes em procissão festiva.
Baianas e suas Águas de Cheiro em vasos sobre os torsos.
Políticos e suas comitivas.
Bandas, Fanfarras, Cordões, Blocos
e outras formações coletivas dançam, tocam instrumentos,
Quer dizer à Calçada.
Um ponto de Salvador próximo ao Porto.
Região que foi próspera nos anos 1990.
Grandes edifícios de empresas públicas,
montepios, bancos, instituições ligadas a justiça,
saúde, fazenda e importante centro comercial com prédios de
escritórios e o Museu do Cacau.
Há também o Trapiche Barnabé, o Mercado do Ouro, o Plano Inclinado
e outros equipamentos de época em que a prosperidade
andava por lá.
Vou pouco ao bairro.
É bem verdade que em meus passeios
antropológicos passo por lá,
ao menos, uma vez ao mês.
Faço uso do Doron, ônibus que passa
no Rio Vermelho e vai até o Cabula.
No entremeio passa pela Calçada.
Acho curioso chamar o bairro por este nome.
Preciso pesquisar o porquê disto.
Eu costumo me referir ao bairro como
cidade baixa, já que ele fica abaixo do Pelourinho
e do Santo Antônio Além do Carmo.
Mas o que isto importa?
Não sei se o que se passa lá interessa,
mas a sensação de andar por ali é de trânsito.
Tudo está em trânsito, espera e deriva.
Tudo ao mesmo tempo.
Filas diante do Ministério do Trabalho.
Sim, eu passei lá, antes das 9h da manhã.
Filas diante de um prédio que tem uma agência bancária no térreo,
com a porta aberta para a calçada. Deve ser por isto o nome.
Os estabelecimentos são abertos para a calçada.
Moradores de rua nos vãos das portadas
dos grandes edifícios, naqueles em que não há grades.
Pessoas desfazem as camas, reúnem seus pertences:
colchão, lençóis e outros panos.
Alguns, ainda, dormem.
Na festa do Bom Fim o bairro é vivo.
Ele é o ponto em que a festa começa.
Lancherias, padarias, quiosques...
Tudo se abre para os passantes em procissão festiva.
Baianas e suas Águas de Cheiro em vasos sobre os torsos.
Políticos e suas comitivas.
Bandas, Fanfarras, Cordões, Blocos
e outras formações coletivas dançam, tocam instrumentos,
desfilam cores em roupas bordadas
com enfeites, brilhos e sons.
Mas neste dia a deriva dava o tom.
Não que viver um pouco sem destino
não seja bom. É muito bom viver um pouco
sem rumo, um pouco vagante.
Feito estar entre ondas do mar. O balanço acomoda
com enfeites, brilhos e sons.
Mas neste dia a deriva dava o tom.
Não que viver um pouco sem destino
não seja bom. É muito bom viver um pouco
sem rumo, um pouco vagante.
Feito estar entre ondas do mar. O balanço acomoda
melhor o que nos pesa.
Mas deriva muita faz delirar.
Faz desesperar.
A turba do Bom Fim sabe o fim a encontrar.
O passante num dia comum sente vontade de chorar.
Onde está alegria do bairro?
Onde estão as pessoas?
Onde estão os corpos vivos, febris, gentis, risonhos?
Para onde foram todos e tudo?
É isto que faz derivar um passante naquele lugar.
Fica-se a buscar, a buscar, a buscar...
os de ontem, os de antes e os de hoje.
É que os que ali estão não se veem, não se tocam.
Ninguém canta, dança ou grita.
Todos seguem em busca de algo: um documento carimbado, o protocolo junto a
repartição, a audiência na justiça, um certificado de tempo de serviço,
uma merenda para matar a fome, uma esmola para começar o dia,
uma vaga para estacionar o carro.
Xi, lá vem o flanelinha.
Não sei como isto se estabelece.
O que? A vida fixar-se numa e só experiência.
Sei apenas que da Calçada tiraram o Canto de um Povo de Um lugar.
Mas deriva muita faz delirar.
Faz desesperar.
A turba do Bom Fim sabe o fim a encontrar.
O passante num dia comum sente vontade de chorar.
Onde está alegria do bairro?
Onde estão as pessoas?
Onde estão os corpos vivos, febris, gentis, risonhos?
Para onde foram todos e tudo?
É isto que faz derivar um passante naquele lugar.
Fica-se a buscar, a buscar, a buscar...
os de ontem, os de antes e os de hoje.
É que os que ali estão não se veem, não se tocam.
Ninguém canta, dança ou grita.
Todos seguem em busca de algo: um documento carimbado, o protocolo junto a
repartição, a audiência na justiça, um certificado de tempo de serviço,
uma merenda para matar a fome, uma esmola para começar o dia,
uma vaga para estacionar o carro.
Xi, lá vem o flanelinha.
Não sei como isto se estabelece.
O que? A vida fixar-se numa e só experiência.
Sei apenas que da Calçada tiraram o Canto de um Povo de Um lugar.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Cabiria de Fellini, Clarice Lispector e Eu
Ontem assisti Noites de Cabiria de Fellini.
Eu pensava que já o tinha visto,
mas me confundi
com Julieta dos Espíritos.
Cabiria vive encontros em trânsito.
Tem sempre de caminhar. Ir ou voltar.
É que seu ofício lhe faz ir além de seu lugar.
Um pouco como Clarice de "É para lá que eu vou".
Só depois de muito ir é que ela não voltou.
Bem, isto o filme não confirma.
Mas, Clarice, também não.
Cabiria vive encontros com o desamparo.
Vive na superfície de entre mundos.
Mundos na borda do seu.
Um pouco como Dona Frozina de Clarice,
cujas maninganças lhe deram vida longa,
a pesar da viuvez juvenil, de dormir
antes de terminar as rezas e viver de pensão.
Cabiria arriscou-se e foi numa procissão.
Degredados em desespero.
Após a benção, diversão.
Pique-nique, dança com violão.
Mas Cabiria sofre!Quer ser como a Madona,
esposa, mãe e mulher de família.
Grita como se tivesse lido Clarice:
"À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante,
eu a que necessita, a que pede, a que chora,
a que se lamenta. Mas a que canta".
Cabiria gosta mesmo é de dançar.
Dança mambo. Dança na rua, dança
no bar, dança depois de uma mesma desilusão.
É uma visão ingênua e ao mesmo tempo lírica do desamparo feminino.
Não tem crueldade no filme. Tem apenas deriva, errância.
Cabiria não tem vestido.
Perde-o já no primeiro capítulo.
Um afogamento acaba com seu único e belo vestido.
Mas ela se salva.
Acho que Clarice viu o filme de Fellini.
Ela diz: - "Vou contar um segredo: meu vestido é lindo e não quero morrer ...
...O morto no mar da Urca...o bobo, morreu..."
Cabiria salva-se e com ela uma parte de seu vestido.
Mas está bem assim. Pode seguir, mesmo assim.
Não sabia que Clarice ficava "Atônita"
com um vestido lindo. Eu também.
Faço vestidos e realmente é muito bom ter um vestido lindo.
Ainda, não tenho nenhum amarelo e azul.
Mas vou providenciar.
Cabíria comprou roupa nova.
Mas não um vestido.
Seguiu com duas peças, saia e blusa.
Talvez seja uma sabedoria usar saia e blusa.
Eu ainda não sei fazer blusas.
Em pensamento é como se soubesse, mas não sei.
Ou talvez eu ainda queira ficar atônita.
É bom ficar atônita com um vestido lindo!
----
Noites de Cabiria - Frederico Fellini (1957)
Maninganças de Dona Frozina, É Para Lá Que Eu Vou e O Morto no Mar da Urca de Clarice Lispectos estão publicados em Onde Estivestes de Noite, editora Rocco, 1999.
Eu pensava que já o tinha visto,
mas me confundi
com Julieta dos Espíritos.
Cabiria vive encontros em trânsito.
Tem sempre de caminhar. Ir ou voltar.
É que seu ofício lhe faz ir além de seu lugar.
Um pouco como Clarice de "É para lá que eu vou".
Só depois de muito ir é que ela não voltou.
Bem, isto o filme não confirma.
Mas, Clarice, também não.
Cabiria vive encontros com o desamparo.
Vive na superfície de entre mundos.
Mundos na borda do seu.
Um pouco como Dona Frozina de Clarice,
cujas maninganças lhe deram vida longa,
a pesar da viuvez juvenil, de dormir
antes de terminar as rezas e viver de pensão.
Cabiria arriscou-se e foi numa procissão.
Degredados em desespero.
Após a benção, diversão.
Pique-nique, dança com violão.
Mas Cabiria sofre!Quer ser como a Madona,
esposa, mãe e mulher de família.
Grita como se tivesse lido Clarice:
"À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante,
eu a que necessita, a que pede, a que chora,
a que se lamenta. Mas a que canta".
Dança mambo. Dança na rua, dança
no bar, dança depois de uma mesma desilusão.
É uma visão ingênua e ao mesmo tempo lírica do desamparo feminino.
Não tem crueldade no filme. Tem apenas deriva, errância.
Cabiria não tem vestido.
Perde-o já no primeiro capítulo.
Um afogamento acaba com seu único e belo vestido.
Mas ela se salva.
Acho que Clarice viu o filme de Fellini.
Ela diz: - "Vou contar um segredo: meu vestido é lindo e não quero morrer ...
...O morto no mar da Urca...o bobo, morreu..."
Cabiria salva-se e com ela uma parte de seu vestido.
Mas está bem assim. Pode seguir, mesmo assim.
Não sabia que Clarice ficava "Atônita"
com um vestido lindo. Eu também.
Faço vestidos e realmente é muito bom ter um vestido lindo.
Ainda, não tenho nenhum amarelo e azul.
Mas vou providenciar.
Cabíria comprou roupa nova.
Mas não um vestido.
Seguiu com duas peças, saia e blusa.
Talvez seja uma sabedoria usar saia e blusa.
Eu ainda não sei fazer blusas.
Em pensamento é como se soubesse, mas não sei.
Ou talvez eu ainda queira ficar atônita.
É bom ficar atônita com um vestido lindo!
----
Noites de Cabiria - Frederico Fellini (1957)
Maninganças de Dona Frozina, É Para Lá Que Eu Vou e O Morto no Mar da Urca de Clarice Lispectos estão publicados em Onde Estivestes de Noite, editora Rocco, 1999.
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