quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O monstro de Dorian Gray segundo Salvador Dalí


Ontem vi o monstro de Dorian Gray                                                                       
No quinto andar
numa sala sem janelas
a mulher com cabelos de fogo
mão na cintura e dedo em riste
regurgitava palavras
com fúria
com pressa
cheia de si

Na cadeira de pano azul
a mulher com cabelos de fogo
ameaçava a todos
mostrava os dentes
pronunciava sons oblíquos
grunhia alto

No fim daquela noite
todos exaustos
seguiram suas vidas
A mulher com cabelos de fogo
boiava
no centro da sala
inflada
sem castelo
sozinha
sem nada
ardia
vazia
                                                           
Imagem: Le Sommeil - Salvador Dalí - 1937 - https://www.dalipaintings.com/sleep.jsp                                                                                   



Solidariedade

Queria hoje dizer-lhe coisas lindas

iguais as que Manoel de Barros diz
Falar de delicadezas 
inocências
amanhecer 
borboletas 
Queria hoje fazer a voz
toda a voz
funcionar como voo de ave 
E gentilmente levar seus sentidos 
para um outro espaço tempo
Feito de belezas 
silêncios
insignificâncias  
desobjetos
infâncias
Queria hoje dar-lhe um abraço caloroso
da mesma forma que profetas enlaçam a linguagem
E com isto indicar um caminho seguro
Feito de mar
de amor
do canto de pássaros
da sombra de árvores
de vida, enfim!

01/08/2018 para uma colega por ocasião de um súbito encontro com o monstro de Dorian Gray, minha solidariedade. 

De quando em vez


DE QUANDO EM VEZ

Minha avó Maria Rosa dizia
- De quando em vez
E eu acho tão lindo!
Ontem foi um dia de quando em vez
Senti aquela inundação gostosa
aquela suavidade
uma quase melancolia
Logo pensei
lirismo tem parte com a desalegria
Só depois é que entendi
As águas andam juntas
quentes e frias
Ontem foi um dia
de quando em vez

segunda-feira, 6 de março de 2017

O monstro de Dorian Gray

Hoje não pude evitar,
a face rude da mesquinharia.

A mulher magra, esquálida
caminha com a criança nos braços
Pede, mostra toda a sua miséria.

Hoje não consegui evitar,
a face rude da mesquinharia.

O homem sentado ao meu lado
cheio de tudo, amargo de tanto,
odeia a mulher que pede e passa.

Hoje não pude evitar,
a face rude da mesquinharia.

A criança naqueles braços,
O homem azedo ao meu lado.

Hoje não consegui evitar,
a face rude da mesquinharia.

A mulher em seu frenesi.
A boca torta do homem ao meu lado.

Hoje não pude evitar
o monstro de Dorian Gray.

domingo, 15 de maio de 2016

Para Nícolas

PARA NÍCOLAS

Ontem fui à livraria
Nícolas era minha motivação
Lá uma fome de palavras
atiçou quereres e alguma euforia

Risos, gritos e gestos infantis
Movimentos de ir e vir
mexer e bulir
fizeram alvoroço em meu coração

Foram as memórias infanto juvenis
de bibliotecas feito livrarias
que cobriram meus sentidos primeiros
antes do mundo e seus buliços
exigirem de mim
deixar com a criança as palavrarias

Quis pensar
mas (des)pensei
Fiz o que Bernardo* fazia
voltei a viver de luxúria em palavrarias

*Inspirado no poema em prosa Escritos em Verbal de Ave de Manoel de Barros. São Paulo: Leya, 2011.

Cinquante - Uma Primavera Nova e Desconhecida

Talvez seja
a umidade da chuva
se anunciando

Talvez seja
o sangue vivo
visto em sonhos

Talvez seja
a vigília das madrugadas
com som de despertar
quando ainda é noite

Talvez seja
a forte lembrança
do primeiro pigarro do dia
na longa e bem aventurada jornada
daquela mulher que se chamava mãe
e que vivia de fazer o dia
já antes do amanhecer

Talvez seja
a vontade de homenagear os mortos
Talvez seja
a vontade de saudar os vivos

Talvez sejam
as terras férteis
mandando dizer dos brotos novos
que se anunciam
numa primavera nova e desconhecida
Les Cinquante

Para Dilma Russef - Entenda, você é a caça do dia.

Saia daí
não exiba suas formas
não voe não.

Saia daí
não deixe o Adversário e o Companheiro
saberem de suas artes na luta.
Guarde-as para lutas limpas.

Entenda, você é a caça do dia.
Ossos não bastam para fazer a vida viva.

Companheiros querem vingar
o orgulho da derrota em seu voo
Adversários querem arrastar
na biga de Aquiles suas artes de guerra.

Entenda, você é a caça do dia.
Ossos não bastam para fazer a vida viva.

Saia daí
vá ver crianças crescendo!
Saia daí
vá ver o pôr do sol nas águas pesadas 
e profundas de um rio!
Saia daí

Entenda, você é a caça do dia.
Ossos não bastam para fazer a vida viva.

Saia daí
Companheiros e Adversários
estão em festa.
Deixe que celebrem sem você
Saia daí 
estas celebrações exigem imolar um vivo
Saia daí
darão a seu ídolo 
sua vida

Entenda, você é a caça do dia.
Ossos não bastam para fazer a vida viva.

* Inspirado no poema Rannock, por Glencoe - Paisagens de T.S.Eliot. Poemas escritos e publicados entre 1924 e 1935 - Poemas Menores. Disponível em: T. S. ELIOT, POESIA. Traduação Ivan Junqueira. Apresentação Affonso Romano de Sant'Anna - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. p. 168