me dirigi a Dona Sônia,
a fiel guardiã do Livro de Protocolo.
Apresentei a ela um cartão com um número:
0300130118120 de 15 de março de 2013.
Meu objetivo era saber
se a tal promoção por causa do doutorado
seria acrescida ou não no meu contracheque.
Afinal, faz tempo....
Eu explico.
Vivemos de mendicâncias.
Se você é uma profissional qualificada,
Quer dizer titulada
tem o benefício de ter acrescido em seu
salário base um percentual.
Uns dizem que é 15%.
Outros que é de 5%.
De fato mesmo,
até agora não recebi nada.
Fui eu lá saber onde estaria o tal
processo administrativo.
Dona Sônia prontamente
pega o Livro de Protocolo nas mãos.
Passa os dedos sobre o relevo das letras e números
manuscritos nas folhas de papel repetindo o final 120
para localizar mais rapidamente o que procuro.
Uma visão, o tal caderno.
É um caderno grande, tipo universitário,
de capa dura e cor preta, com folhas brancas,
linhas horizontais e verticais,
Todo escrito à mão: Número de protocolo, data de protocolo,
nome do requerente, assunto e o que mais for preciso anotar.
Quantos daqueles haverão?
Este é só deste ano e está quase totalmente preenchido.
Pensei.
Vou pedir para fotografar.É lindo demais.
Os registros manuscritos
desenham um mundo de códigos, signos, nuances
quase homogêneos, todos com uma e outra singularidade.
Detalhe. Tudo escrito com esferográfica azul.
As folhas sobrepostas umas as outras formam
uma espécie de ondulado,
um fio de macarrão esticado,
mas prensado entre as capas duras.
Não preciso dizer. Minha curiosidade se acendeu.
É que eu lembrei de Todos os Nomes de Saramago.
O personagem é um funcionário
público cujo ofício consiste em guardar
fichas, registros escritos com os nomes
dos viventes de uma pequena cidade.
Uma espécie de cartório que guarda
informações de identificação das pessoas
RG, CPF, Endereço, Filiação...
Essas coisas.
Um dia, o funcionário público pensa: Quem será este nome?
Que pessoa será esta? Onde mora? Como vive?
Ainda mora neste endereço? Quem é ela?
É que ele só sabe os nomes, não tem nenhum rosto em seus sentidos.
Deste dia em diante sua vida muda.
Volto a prestar atenção em Dona Sônia
e sua diligência nas folhas do livro.
Ela me diz: Já estou em Julho.
Eu mostro o cartão novamente para
ela conferir o número do processo.
Ela olha, confirma e volta a folhear o Livro.
Percebe minha inquietação.
Apressa-se em dizer que talvez
tenha sido registrado noutra data
e me encaminha para Dilza,
a responsável pelo setor que faz
o processo caminhar na instituição.
Me ocorreu dizer que existe um área
chamada sociologia da recepção e
que estuda a história do livro, a história da escrita
e blá, blá, blá, blá...
chamada sociologia da recepção e
que estuda a história do livro, a história da escrita
e blá, blá, blá, blá...
Mas ... Dona Sônia vai estranhar.
Peço para fotografar?É um livro guardado a sete chaves.
Achei melhor deixar prá lá.
Minha relação poética com a vida e a
palavra escrita fica para outro momento.
Ah, o meu processo? Não acharam.
Mandaram fazer outro
e protocolar no Livro.
Diferente do personagem de Saramago
não foi desta vez que a minha vida mudou.
Como é lindo ver a burocracia pelos olhos de uma crônista poeta! Boa semana! Bjks daqui de Heidelberg!
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