quarta-feira, 8 de abril de 2015

para Roseane Viana



Uma amiga que mora em Heidelberg
luta com monstros que crescem nela.
Não são bichos bichos nem bichos homens.
Também não são mandacarus.
São mortais.
Não gostam de viver ou deixar viver.
Não deixam sol nascer ou chuva brotar.
Só dizem não.
Seria bom se eles soubessem ler.
Freud e Nietzsche dariam outras perspectivas a eles.
Tertuliano também viu crescer em si um bicho.
Mas ele era bicho de fazer viver.
Assim, bicho de enlarguecer o espírito.
Um Albatroz Azul.
Pouco a pouco Tertuliano, bicho homem,
quis saber como é ser um Albatroz Azul.


João Ubaldo Ribeiro. O Albatroz Azul. 2009.

Sebastião Salgado e a força dos bichos todos

Num dia desses fui ao cinema.
Havia promessas na escolha:
A amizade de um homem e uma baleia,
Brincadeiras de roda com leões marinhos,
Um bicho que tem mão de gente e é mais antigo que toda gente -
um lagarto de galápagos
e morsas dentuças.
O Sal da Terra de Wim Wenders e Juliano Salgado
faz expandir nossos sentidos
com bichos marinhos e outros grandes
monstros terrestres.
Ressecam nossas retinas
com a triste sina da natureza humana.
Matar uns e outros:
bichos homens, bichos bichos, vida verde, toda a vida, a vida toda.
Estranha e impressionante é a natureza humana.
E Ela são muitas.
Sebastião Salgado deixa que contem
a história de desencantamento de um homem
por si e pela cultura de homens.
Terra seca. Fim de tudo.
Sebastião Salgado deixa que seu filho,
seu bicho homem,
conte do reencantamento
que os bichos todos fizeram brotar nele
e na terra de onde ele mesmo nasceu.
Sal da Terra
Um filme para ver de novo.
Olhos D'Água
Documento daquilo tudo que somos
Horror e força criadora.
Homens de Cultura.


O Sal da Terra. Documentário. Wim Wenders e Juliano Salgado (Brasil/França, 2014)

De tanto regurgitar Jonas deixei de ser baleia

Teve um tempo
que pensava ser um animal
lento, pesado
e com gosto por longas travessias.
Um tipo de baleia bem grande
com aparições marcadas em
latitudes e longitudes precisas.
Mas o bom mesmo era o ruminar do ser baleia.
Isto sim era bom.
A digestão lenta para o viver comum faz tão bem.
Depois as palavras voltaram e de tanto regurgitar
Jonas deixei de ser baleia.
Estranha e impressionante é a natureza humana.
E Ela são muitas.
Vez por outra meu ser baleia  faz aparições,
Um corpo para os sentidos feitos d'água.

PRADO, Adélia. A faca no peito. Rio de Janeiro/São Paulo: 2007.

Cresce em mim o Sertão

Quando chove
me encho de ânimo.
Já gosto de tudo.
E fico assim
Verde verde.
Vai ver que cresce em mim o sertão!

Quando as águas ficam fio

Em dias como hoje penso:
vou morar num lugar que chova mais.
Quando ela chega
fico cheia de vontades
Quero cozinhar, escrever, costurar, contemplar
o verde, as árvores e o mar.
Depois o sol e a vida se impõem
e eu seco outra vez.
Deve ser isto.
Esqueço que tem chuva e aceito o eterno verão deste mar.
São os sentidos que vão longe em busca d'água
E me deixam pra lá.
Estranha e impressionante é a natureza humana.
E Ela são muitas.
Se expande por sobre tudo quando a chuva vem.
Ou mergulha no ser ficcional que somos
quando as águas ficam fio.