segunda-feira, 15 de julho de 2013

Cabiria de Fellini, Clarice Lispector e Eu

Ontem assisti Noites de Cabiria de Fellini.
Eu pensava que já o tinha visto,
mas me confundi
com Julieta dos Espíritos.

Cabiria vive encontros em trânsito.
Tem sempre de caminhar. Ir ou voltar.
É que seu ofício lhe faz ir além de seu lugar.

Um pouco como Clarice de "É para lá que eu vou".
Só depois de muito ir é que ela não voltou.
Bem, isto o filme não confirma.
Mas, Clarice, também não.

Cabiria vive encontros com o desamparo.
Vive na superfície de entre mundos.
Mundos na borda do seu.

Um pouco como Dona Frozina de Clarice,
cujas maninganças lhe deram vida longa,
a pesar da viuvez juvenil, de dormir
antes de terminar as rezas e viver de pensão.

Cabiria arriscou-se e foi numa procissão.
Degredados em desespero.
Após a benção, diversão.
Pique-nique, dança com violão.
Mas Cabiria sofre!Quer ser como a Madona,
esposa, mãe e mulher de família.
Grita como se tivesse lido Clarice:
"À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante,
eu a que necessita, a que pede, a que chora,
a que se lamenta. Mas a que canta".

Cabiria gosta mesmo é de dançar.
Dança mambo. Dança na rua, dança
no bar, dança depois de uma mesma desilusão.
É uma visão ingênua e ao mesmo tempo lírica do desamparo feminino.
Não tem crueldade no filme. Tem apenas deriva, errância.

Cabiria não tem vestido.
Perde-o já no primeiro capítulo.
Um afogamento acaba com seu único e belo vestido.
Mas ela se salva.

Acho que Clarice viu o filme de Fellini.
Ela diz: - "Vou contar um segredo: meu vestido é lindo e não quero morrer ...
...O morto no mar da Urca...o bobo, morreu..."
Cabiria salva-se e com ela uma parte de seu vestido.
Mas está bem assim. Pode seguir, mesmo assim.

Não sabia que Clarice ficava "Atônita"
com um vestido lindo. Eu também.
Faço vestidos e realmente é muito bom ter um vestido lindo.
Ainda, não tenho nenhum amarelo e azul.
Mas vou providenciar.

Cabíria comprou roupa nova.
Mas não um vestido.
Seguiu com duas peças, saia e blusa.
Talvez seja uma sabedoria usar saia e blusa.
Eu ainda não sei fazer blusas.
Em pensamento é como se soubesse, mas não sei.
Ou talvez eu ainda queira ficar atônita.
É bom ficar atônita com um vestido lindo!

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Noites de Cabiria - Frederico Fellini (1957)
Maninganças de Dona Frozina, É Para Lá Que Eu Vou e O Morto no Mar da Urca de Clarice Lispectos estão publicados em Onde Estivestes de Noite, editora Rocco, 1999.

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